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Confesso que cultivo uma métrica própria para sentir o status de uma música ou banda, que vai além do número de visualizações no Youtube ou de reproduções no Spotify. Se está tocando nos pés-sujos do meu bairro, é sinal de que tem algo relevante acontecendo.
Nos botequins do Catete, em 2019, não havia uma caixinha de som que não emanasse o Saia Rodada. A banda de Caraúbas, interior do Rio Grande do Norte, já com duas décadas de estrada e capitaneada pelo simpático malandro interiorano Raí, conseguiu atravessar a fronteira do mercado regional e chegou com força ao Sudeste, sem ficar restrita à colônia de nordestinos.
Forró Eletrônico, o gênero musical mais popular no nordeste do anos 90 para cá, passou por mudanças nos últimos anos. O Saia Rodada é uma banda da “segunda geração” do ritmo que reconfigurou o forró pé-de-serra “tradicional” com a inclusão de instrumentos como guitarra, baixo e teclado.
Há dois momentos-chave na mudança de fase. O primeiro, estético: o disco “Forróneirão” de 1999 da banda Brasas do Forró com o Gaúcho da Fronteira. O encontro desse tipo de forró com o vaneirão do sul acelerou o ritmo.
O suíngue de pioneiros como a banda cearense Mastruz com Leite foi substituído pelas baterias marcadas que ganharam naipe de metais, as populares “metaleiras”.
O segundo foi mercadológico: a quebra do modelo de vendas de CDs pós-Napster. Foi preciso criar uma nova indústria de gravações de shows distribuídos de graça pelo interior do Nordeste, através de CDs piratas e pela internet para suprir o prejuízo com as vendas de discos.
Foi nesse modelo que o Saia Rodada começou a circular, sem nunca atingir o status de número um da região. O grupo competia com estruturas mais fortes.
Em momentos diferentes o “Aviões do Forró”, o “Forró do Muído” (que revelou as hoje sertanejas Simone e Simaria) e o “Garota Safada” do Wesley Safadão faziam do Saia Rodada coadjuvante, mesmo após emplacar sucessos como “O que tem que ser será”, cuja versão em axé do “Asa de Águia” foi uma das mais tocadas do Carnaval de Salvador de 2007.
O forró eletrônico só foi conseguir bombar no eixo Rio-São Paulo no meio da última década. Graças ao intercâmbio com os escritórios de sertanejo universitário de Goiânia e parceria com gravadoras, seus principais nomes ficaram mais “bem arrumados”, com estruturas de palco modernas e comunicação atualizada.
Safadão, Xand Avião e Solange Almeida, agora em carreiras solos, venceram o preconceito e chegaram às paradas nacionais. O sucesso em nova escala abriu uma espécie de “buraco temático” que foi ocupado pelo Saia depois de anos coadjuvantes.
As misturas com o sertanejo tiraram características de forró “puro” das canções “nacionais” de Safadão e de Xand Avião. Os temas como farra ou lamentos apaixonados genéricos afastaram o personagem fundamental no imaginário do forró eletrônico dessas bandas: o vaqueiro.
“Eu Acho que Não” e “Filho do Mato”, dois hits cantados por Raí em 2019, não tem na melodia nenhum elemento que remeta ao sertanejo.
É forró eletrônico “raiz” cantando a dor do vaqueiro que foi para cidade grande e precisou voltar morto de saudade de seu rincão; ou as lamúrias de quem tem que deixar claro para mulher da capital que é do interior e se orgulha disso.
O novo disco lançado pela Som Livre de nome “Era Eu” reforça essa vocação. “Eu, o meu cavalo e ela” narra a fuga do vaqueiro com a mulher apaixonada cujo pai não aceita o relacionamento.
Em “Escolhi ser Vaqueiro”, um filho desabafa para o pai que preferiu competir em vaquejada a seguir em uma faculdade.
O tema facilita criação de versões das bandas de pisadinha, o típico “forró de teclado” que é moda no interior do Nordeste, o que impulsiona o alcance das músicas do Saia Rodada.
A banda agora assina como “Raí Saia Rodada” em uma possível transição para extinção do nome original e foco no cantor. Um processo similar ao que aconteceu com Wesley Safadão e Garota Safada.
Raí tem carisma suficiente para ser um dos mais relevantes cantores populares do Brasil.
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