Acostumados a dividir colchões e redes em três pequenas celas, os presos do Centro de Detenção Provisória de Apodi, na região Oeste do Rio Grande do Norte, passarão em breve a dormir nos beliches individuais que ajudaram a construir. Inaugurado nesta quinta-feira (5), o novo prédio ampliará em quatro vezes a capacidade da unidade prisional, que atualmente é ocupada por 46 presos, mas na teoria só poderia encarcerar 15 homens.
Sem repasses do governo durante os oito meses de construção, o projeto foi viabilizado graças a um esforço conjunto que envolveu direção da unidade prisional, Justiça, Ministério Público, empresas e uma organização não-governamental. "É uma obra comunitária, construída com a contribuição da comunidade", define o diretor do Centro de Detenção, Márcio Morais.
A obra custou R$ 150 mil, dos quais R$ 110 mil foram pagos pela Comarca de Apodi por meio da arrecadação de penas pecuniárias - multas aplicadas nos processos. O Ministério Público entrou com o projeto arquitetônico e os demais apoiadores contribuíram com cimento, tubos de aço, tijolos, telhas, equipamentos e uma cisterna com capacidade para 16 mil litros. A mão-de-obra incluiu dez presos, que trabalharam como pedreiros e serventes de pedreiro.
O Centro de Detenção custodiava presos de cinco municípios - Apodi, Severiano Melo, Itaú,Felipe Guerra e Rodolfo Fernandes - em celas construídas na parte dos fundos da delegacia da cidade. Para a construção do novo prédio, o diretor aproveitou o espaço do quintal. São sete celas com capacidade para 60 presos. No lugar das três antigas celas, a pretensão de Márcio Morais é montar um cartório, um alojamento para os agentes penitenciários e um refeitório para os detentos.
O promotor Sílvio Brito, do Ministério Público, lembra que a ideia de ampliar o Centro de Detenção Provisória surgiu em um momento crítico. "Foi quando precisei pedir a soltura de presos perigosos porque faltavam vagas. É extremamente desleal ter que devolver criminosos para a sociedade porque o Estado não pode prover essa estrutura", explica.
Além de solucionar o problema da superlotação da unidade, Márcio Morais garante a segurança do projeto. "As paredes, o teto e o piso têm concreto reforçado e telas de ferro. Fuga aqui só com facilitação ou resgate", afirma o diretor, que decidiu homenagear um antigo colega com a nova unidade. O novo Centro de Detenção se chamará Ronilson Alves da Silva em homenagem a um agente penitenciário morto no ano passado em Mossoró, na região Oeste do estado.
Superlotação
Antes da mudança para o novo prédio, a realidade do Centro de Detenção de Apodi era semelhante aos demais 19 centros de detenção provisória do Rio Grande do Norte. "Aqui são 16 presos. Nove no chão e divide em três colchões. O resto, mais antigo, fica nas redes. É um batendo no outro", relatou o detento Isac Almeida Pereira, de 18 anos, durante a visita do G1. O jovem está há três meses no Centro de Detenção de Apodi e é um dos 18 presos provisórios custodiados. Os demais 28 detentos já foram condenados pela Justiça e deveriam estar nas penitenciárias do estado cumprindo o regime fechado.
A Coordenação da Administração Penitenciária Estadual, vinculado à Secretaria Estadual de Justiça e Cidadania (Sejuc), calcula um déficit de 2.135 vagas só nos Centros de Detenção Provisória do Rio Grande do Norte. São 7.101 pessoas presas em uma estrutura que só dispõe de 4.466 vagas. Neste quesito, o Centro de Detenção de Apodi vai fugir à regra a partir de agora. Com 46 presos custodiados, a unidade tem 14 vagas sobrando.
Presos diviviam colchões e redes no centro de detenção |
Depois de reunião para tratar dos problemas do sistema prisional nesta quarta-feira (4), o coordenador de Administração Penitenciária, Leonardo Freire, colocou a superlotação como um dos maiores desafios da gestão do governador Robinson Faria (PSD). "Estamos propondo a criação de uma força tarefa para tratar o assunto com a prioridade que o caso requer, a fim de ampliar nossas unidades prisionais e acabar com a superlotação carcerária", afirmou. Além dos 20 Centros de Detenção Provisória, o RN tem atualmente quatro cadeias públicas e oito presídios.
Ressocialização
Dos dez presos que participaram das obras do novo Centro de Detenção, sete já estavam custodiados na unidade. Todos trabalharam como serventes de pedreiro. Os demais vieram do Centro de Detenção Provisória de Parnamirim e da Cadeia Pública de Caraúbas para serem pedreiros na obra. A recompensa dos detentos será a remissão da pena. Para cada três dias trabalhados, um a menos encarcerado, no entanto, todos alimentam um sonho mais profundo: reconstruir a vida.
Antônio Antonino da Rocha, de 48 anos, era pedreiro em uma construtora até ser detido por um crime sexual. Impedido de atuar na profissão que exercia há 20 anos por estar preso, ele conta o que sentiu ao começar a trabalhar na obra. "Me imaginei construindo minha casa para a minha família", conta o pai de seis filhos, para quem os familiares fazem falta. "A solidão é grande, mas vou me redimir e estou lutando para reconstruir", diz.
O detento veio do Centro de Detenção de Parnamirim, mas pretende permanecer em Apodi e cumprir o resto de sua pena na unidade prisional que ajudou a erguer.
Companheiro de Antonino no canteiro de obras, o pedreiro Gilson Júlio da Silva, de 43 anos, veio da Cadeia Pública de Caraúbas para trabalhar em Apodi. "Não tinha o que fazer antes. Para ressocializar o preso, é preciso qualificar em seja lá o que for para que ele saia com o bom pensar. É difícil pensar no bom quando não se tem o bom para você", afirma.
O arrependimento também está nas palavras de José, preso que preferiu se identificar ao G1apenas pelo primeiro nome. Natural de Apodi, José está há seis meses no centro de detenção. "Me iludi com as drogas. Sei que isso não leva nada a ninguém. Agora quero sair daqui para batalhar por minha família. Sou analfabeto, tenho três filhos e quero conseguir pelo menos o estudo deles", conta.
Penas pecuniárias
Maior financiadora do novo centro de detenção, a Comarca de Apodi viu na arrecadação de penas pecuniárias a chance de contribuir para a melhoria da cidade. A juíza Kátia Guedes, titular da comarca, julgou 234 processos criminais provenientes de cinco municípios em 2014. Do total, 95 processos resultaram em penas pecuniárias.
A aplicação da pena, segundo a juíza, depende da gravidade do crime cometido e o valor a ser cobrado varia de acordo com a condição social do julgado. "Para organizar o que era arrecadado criamos uma conta única onde depositamos todo o dinheiro de penas pecuniárias", explica a magistrada. A partir daí, a juíza conta que se baseou em uma resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para aplicar os recursos.
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