Quando
se inventou a palavra “tragédia” certamente a primeira sílaba foi
tirada de “traição”, esta que tem sido cantada em verso e prosa e até
foi mote para a peça de teatro musicada, escrita em 1973 por Chico
Buarque e Ruy Guerra: “Calabar: o elogio da traição”. No belo texto da
peça a traição (de Domingos Fernandes Calabar possivelmente nascido
durante a primeira década do século XVII, no atual Estado de Alagoas,
contra a colonização espano - lusitana) assume, para uns, até ares de
nobre gesto; para outros, foi ele um reles traidor, ganancioso
contrabandista e ladrão.
Quais os motivos da sua traição?
“Provavelmente, ele foi movido por um misto de motivos, tendo o amor à
sua terra natal como leitmotiv. Porém, foi sempre uma motivação
mesclada, pois “o coração tem razões que a própria razão desconhece”
(Blaise Pascal)”, segundo afirma o historiador Frans Leonard Schalkwijk.
Na intrigante canção de rock moderado, intitulada “Metal contra
as nuvens”, a banda Legião Urbana começa com este verso:” Eu sou metal,
me sabe o sopro do dragão/ Reconheço meu pesar/ Quando tudo é traição/O
que venho encontrar/ É a virtude em outras mãos (...). Isto faz pensar
na traição em sentido amplo, algo tão antigo quanto a humanidade, embora
também fosse coisa muito ao gosto do deuses da mitologia greco-romana.
Todo mundo traia todo mundo, por sexo, política, dinheiro, poder ou, na
maioria das vezes, pelo simples prazer de trair. Algo bem divinamente
humano.
Das tantas faces da traição, uma apenas interessa para
esta ligeira conversa domingueira: a traição política. Aliás,
recentemente li um excelente artigo de Andrés Ortega, no jornal espanhol
El País, sobre o tema: La política como traición. Ortega abre o artigo
com uma verdade de há muito conhecida, mas, quase sempre escamoteada
pelos políticos: “Nenhuma outra atividade como a política, no sentido da
luta pelo poder, implica tanta disposição de trair aos mentores que as
vezes se presentas como companheiros e amigos (...) Maquiavel,
situo a traição dentro da virtú política, que pouco tem que ver com a
moral nem com o ódio.”
Descendo para esta
desconchambrada aldeia do índio Poti, ocorre-nos o velho, mas, não menos
usado dito popular assevera que “trair e coçar é só começar”. Aliás,
este é o título de uma peça teatral de Marcos Caruso, que serviu de
roteiro para o filme homônimo rodado em 2006 pelo batalhense Moacyr
Góes, filho do saudoso educador e historiador potiguar Moacyr de Góes
(1930 – 2009). A alusão a este anexim quase chulo vem a propósito das
últimas acontecências da política norte-rio-grandense e que culminaram
com o rompimento da governadora Rosalba Ciarlini e respectivo
consorte/mentor, ex-deputado estadual Carlos Augusto Rosado, com o
presidente nacional do DEM, senador José Agripino Maia.
O
resultado da última reunião do diretório estadual do DEM, ocorrida em
Natal no último dia 2 de junho deste 2014, foi uma rejeição à
candidatura de Rosalba para mais um mandato frente ao governo do Estado.
Dos 58 votos possíveis, somente 10 sufragaram o projeto da atual
governadora do Rio Grande do Norte; 45 disseram preferir uma aliança com
o PMDB de Henrique Alves/Garibaldi Filho, 2 se abstiveram e um anulou o
voto. Apesar de o voto ser secreto e, portanto, sem maior possibilidade
de se dizer quem votou o quê, as baterias dos (agora) rarefeitos
defensores da Rosa se voltaram contra o senador Agripino: traíra,
traidor, traição. Entre choros e ranger de dentes, só faltam cantar
aquele rapzinho safado do Edcity: “Cara de santinho, dizia ser irmão/
Mas já diz o ditado quem ver cara não ver coração /Traíra, traíra você
tá na mira!/Traíra, traíra você tá na mira! /Andava entre os leprosos,
pregando a união/ Foi beijado no rosto, tremenda traição/ Traíra, traíra
você tá na mira!” Quem traiu quem? Difícil saber.
O senador
Agripino disse que há meses não falava com Carlos Augusto/Rosalba. De
outra feita disse que não tinha nenhum prestígio no governo da
correligionária. Do lado rosalbista, são alegados todos os agrados
políticos que o senador do DEM teria recebido desde quando Rosalba
conquistou a Prefeitura de Mossoró, em, 1988. O negócio é “ficar peixe”
(não necessariamente uma traíra...). O ex-ministro Nelson Jobim, do alto
de sua experiência nas futricas da política tupiniquim deu a receita,
em entrevista à Folha de São Paulo, em 26/7/2011: “Em politica
ressentimento é coisa para amadores e até a raiva é combinada!” Pode?
Claro, o que prevalece é o interesse de cada um, seja pessoa, grupo ou
partido político; nada de fidelidade eterna. O que conta mesmo são os
interesses efêmeros e circunstanciais. É o que se extrai das lições do
velho Niccolò Machiavelli, do astuto cardeal Mazzarino, do indiano
Kautilya e, sobretudo, daquela ótima safra de políticos mineiros do
porte de José Maria Alkmin, Milton Campos, Benedito Valadares, Tancredo
Neves, além dos mais genial de todos os políticos brasileiros que foi o
gaúcho Getúlio Vargas. No mais, remanesce a (quase) romântica frase,
catada na Web, dita pelo obscuro pensador de nome chamado João Vitor
Rocha: ”As flores mais belas e perfumadas escondem o doce veneno da
traição”. Assim, como diz o samba famoso, “pois é”.
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